Exercício sobre a ocupação da Av. Paulista
Usando Simulação de Monte-Carlo para determinar quantidades que dependem de variáveis incertas
Está havendo alguma confusão com o número de pessoas que estavam ontem, dia 7 de setembro, na Av. Paulista na manifestação pela liberdade. A PM de São Paulo primeiro divulgou uma estimativa muito baixa de apenas 125 mil pessoas, certamente com motivação política. Depois, reviu a sua estimativa e agora afirma serem 400 mil pessoas.
Resolvi fazer um exercício despretensioso para chegar a uma estimativa, muito mais para tentar ser didático que para fazer um cálculo rigoroso, até mesmo porque já antecipo haver alguns fatores que dificultam obter uma grande precisão nesse caso. Para esse estudo, vou usar uma técnica estatística chamada Simulação de Monte-Carlo, também conhecida como Método de Monte-Carlo.
Esse método é bastante útil para você estimar um valor quando não há muita certeza dos valores exatos de variáveis importantes que fazem parte do cálculo da cifra desejada. No caso específico do número de pessoas na manifestação da Av. Paulista, não sabemos ao certo a quantidade de pessoas por metro quadrado para toda extensão da avenida, mas sabemos haver uma região que concentrava mais gente, áreas com menos concentração na mesma avenida e também muita gente nas transversais da mesma via.
A PM de São Paulo assumiu no primeiro cálculo 5 pessoas por metro quadrado para uma região de 1000 metros de extensão com uma largura de 25 metros para a avenida. Multiplicando-se esses três valores, chegou ao valor de 125 mil pessoas. Há algumas limitações e erros nesse cálculo, mas vou relatar primeiro a limitação que o método de Monte-Carlo pode ajudar nesse caso.
Como ter certeza que eram 5 pessoas por metro quadrado? Não poderiam ser 4.5? Ou 5.5? O método de Monte-Carlo permite que as variáveis de entrada assumam valores diferentes e no final consegue combinar a flutuação conjunta de todas as variáveis incertas e chegar a uma faixa de valores razoável para a estimativa do número desejado.
Para o meu cálculo despretensioso, assumi que as seguintes variáveis eram incertas:
Extensão da parte cheia da avenida
Densidade de pessoas por metro quadrado na parte cheia da avenida
Densidade de pessoas na parte menos cheia da avenida
Densidade de pessoas nas transversais da avenida
Eu fui à manifestação e eu estava numa área bem cheia, onde a locomoção era muito difícil, situação em que normalmente se calcula que a densidade das pessoas é próxima a 5 pessoas por m². Por sorte, uma amiga matemática estava a 1500 metros de mim (medi a distância no Google Maps) e também relatou estar num local que era praticamente impossível se locomover. Contudo, havia mais pessoas atrás de mim e dela também, e poderia haver algum erro na medição do Google Maps. Portanto, para o Método de Monte-Carlo considerei que a extensão da parte cheia poderia ir de 1400 a 1800 pessoas, mas 1500 seria um valor provável.
Segui a mesma linha para as demais variáveis. A densidade por m² da parte cheia poderia variar entre 4,5 e 6,0, com o valor provável de 5,0. Na parte mais vazia a densidade seria entre 0,5 e 2,0, com o valor de 1 com mais probabilidade, e a densidade nas laterais iria variar entre 1,0 e 3,0, com o valor de 2,0 como medida provável.
Arbitrei também os seguintes valores para composição do cálculo:
A largura da Av. Paulista seria de 40 metros, já que o cálculo da PM não considerou as calçadas, que estava bem cheias.
Só considerei o primeiro trecho de ambos lados da Paulista das 7 transversais que estavam entre a minha localização e da minha amiga, ou seja, 14 trechos de rua. Para esses trechos, vi também no Google Maps que o comprimento médio seria em torno de 100 metros e a largura de cerca de 10 metros.
O comprimento total da Paulista é de 2800 metros, então o comprimento da região mais vazia seria desse valor menos a extensão da parte cheia.
Coloquei todas essas informações das variáveis aleatórias (as que possuem uma faixa de valores) e das variáveis fixas num software que implementa o Método de Monte-Carlo e o resultado encontrado foi essa curva:
O Método de Monte-Carlo mostra a probabilidade de valores que a variável de interesse pode assumir, no caso o número de pessoas na Av. Paulista, conforme à variação definida para as variáveis aleatórias usadas. Com isso, o resultado foi que nos momentos mais cheios, a Avenida Paulista poderia ter valores entre cerca de 330 mil a 440 mil pessoas, os limites da região que não está marcada de vermelho, mas que o valor mais provável seria de 380 mil pessoas, o ponto máximo da curva.
A região em vermelho do gráfico demarca a zona que é normalmente excluída nos cálculos estatísticos, que corresponde a quantidades que estão fora dos limites do percentual de 95% dos valores encontrados. Como a curva tem um “pico” bem claro, se os parâmetros que eu usei estiverem corretos, há uma boa hipótese do valor ser próximo a 380 mil pessoas. No final das contas (com duplo sentido), até que foi uma estimativa bem próxima da segunda previsão da PM de São Paulo.
Muitos devem estar se perguntando sobre todas outras manifestações na Paulista onde se reportou a presença de mais de um milhão de pessoas na avenida e estranharem um valor tão baixo. É importante lembrar que essa simulação mostra a quantidade de pessoas em um determinado momento. Uma fotografia no tempo. Uma manifestação não é igual a um jogo de futebol, onde as pessoas chegam e saem no mesmo horário. Com a entrada e saída de pessoas ao longo das várias horas que durou a manifestação, o número total é muito maior que os cerca de 400 mil apontados aqui.
Como não me dei o trabalho de tentar modelar como seria o fluxo de pessoas entrando e saindo da avenida, que seria uma tarefa bem mais complicada, não sei dizer com precisão se o total foi de 600 mil, 800 mil ou um milhão de pessoas. Só é claro que era bem maior que os 400 mil.
Por fim, isso é apenas um exercício ilustrativo. Em nenhum momento procurei ser absolutamente rigoroso nos valores que usei. Por exemplo, se a largura da Av. Paulista com as calçadas seria exatamente 40 metros, mas procurei fazer uma estimativa razoável. Daria para fazer um cálculo mais preciso com mais tempo e mais estudo? Provavelmente sim, mas o que eu fiz já foi suficiente para o objetivo de produzir esse texto.
bom, muito bom.